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INCONSTITUCIONALIZAÇÃO PROGRESSIVA DA SOMA DE ATUAÇÕES DIRETAS DO ESTADO NA ECONOMIA

Atualizado: 19 de jun. de 2020



Os arts. 1º, IV, e 170, caput, CF/88 apontam a diretiva traçada pelo constituinte originário no sentido de estabelecerem a livre iniciativa não só como valor digno de tutela pelo ordenamento jurídico, mas como fundamento do Estado brasileiro e, consequentemente, da ordem econômica.

Nesse sentido, é certo que a concretização do princípio da livre iniciativa pelo Estado ocorrerá principalmente de forma indireta, ou seja, garantindo condições genéricas para propiciar a adequada competição. Assim, é inequívoco que cabem aos atores econômicos privados o protagonismo nesse cenário.


Porém, a própria Constituição ressalva a possibilidade de o Estado atuar diretamente na exploração da atividade econômica, tanto nos casos previstos na Constituição, quanto nas hipóteses previstas no art. 173, CF/88, quais sejam: “imperativos da segurança nacional” ou “relevante interesse coletivo”, delegando à lei o papel de concretizar referidos conceitos jurídicos indeterminados.


É o que se convencionou denominar de princípio da subsidiariedade, de modo que a atuação do direta do Estado só será necessária quando a iniciativa privada não estiver sendo capaz de assegurar satisfatoriamente os interesses sociais ligados a determinada atividade econômica.

Nessa toada seguiu o legislador infraconstitucional ao prever a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas, nos moldes do art. 2º, I e III, Lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica).


Retomando o raciocínio quanto aos conceitos jurídicos indeterminados, em que pese a dificuldade concreta de definição ante a mutabilidade e complexidade das relações jurídicas e sociais, é certo que caberá aferição da legitimidade da atuação discricionária à luz da análise das três zonas de incidência:


a) Zona de certeza positiva: a escolha se insere nas opções legais;

b) Zona de certeza negativa: a opção não encontra compatibilidade com o ordenamento;

c) Zona cinzenta (ou grísea): há margem de interpretação conferida ao administrador público, cabendo maior deferência dos demais Poderes à sua decisão.


Exemplificando, Alexandre Santos de Aragão, aponta como enquadramento na “zona de certeza negativa” a inconstitucionalidade por violação ao princípio da proporcionalidade a atuação empresarial do Estado para comercialização de sorvetes. Já na “zona de certeza positiva” se enquadra a atividade nuclear, na qual, sem dúvida, está presente o interesse coletivo.

Reconhecida a viabilidade excepcional de atuação direta do Estado na economia como produtor de bens e serviços, Aragão traz uma questão interessante: a possibilidade de inconstitucionalização progressiva da soma de atuações diretas do Estado na economia.

A primeira premissa foi apresentada anteriormente: o cabimento do controle da discricionariedade quando da densificação pelo legislador dos conceitos jurídicos indeterminados de “imperativos da segurança nacional” ou de “relevante interesse coletivo” à luz da proporcionalidade e razoabilidade, conforme os parâmetros acima identificados. Essa é uma análise sob a ótica “micro”.


Não obstante, também se torna imperiosa uma análise global do conjunto das atividades econômicas exercidas pelo Estado, visto que uma análise englobante da realidade poderá ser incompatível com a Constituição Federal.


Quando ocorrerá esta incompatibilidade? Expõe o autor:


“Isso ocorrerá quando a Administração, respaldando-se no citado permissivo constitucional, já tenha permeado toda a economia com uma atuação empresarial exacerbada – mesmo que, isoladamente, cada atividade econômica estatalmente explorada afigurar-se constitucionalmente viável. Esse ‘ponto-limite’ sempre dependerá, naturalmente, de análises concretas do conjunto da economia e do montante da atuação do Estado nela desenvolvido com base no art. 173, CF”.

Claro, a conjuntura econômica também deverá ser levada em conta para verificação da inconstitucionalidade. Por exemplo, em momentos de recessão econômica, há maior espaço para expansão da atuação estatal com o objetivo de manter a economia do país em regular funcionamento.


Entretanto, explicita Aragão que “admitiríamos a atuação generalizada do Estado na economia com base no art. 173, mas de forma exclusivamente anticíclica e, portanto, necessariamente, transitória”.


Tirando essa situação, a atuação direta do Estado num patamar excessivo significaria supressão de valor fundamental traçado pela Constituição Federal: a livre iniciativa (arts. 1º, IV, e 170, CF/88). Logo, conflita frontalmente com a adoção de uma ordem jurídica essencialmente capitalista cujo papel de destaque foi alçado aos atores privados.


Frise-se: essa inconstitucionalidade não se verifica no cotejo da concretização dos conceitos “imperativos da segurança nacional” ou de “relevante interesse coletivo”, que são legítimas a priori. A violação frontal ocorre em face do princípio da livre iniciativa.


E qual seria o mecanismo previsto para reconhecimento da situação? Conforme Aragão, “a incompatibilidade com a normatividade constitucional poderia chegar a constituir aquilo por vezes referido como ‘estado de coisas inconstitucional’”, dada a violação massiva, sistemática e generalizada de direitos fundamentais, ante a omissão dos poderes, requerendo mudanças estruturais e dialógicas, sob pena de romper com pilar fundamental da República.


Então é isso pessoal, espero que tenham gostado da abordagem do tema!


Grande abraço.


Por Simião Cavalcante.


Referência bibliográfica: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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